quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Roseana Muray

CAIXINHA MÁGICA

Fabrico uma caixa mágica
para guardar o que não cabe
em nenhum lugar:
a minha sombra
em dias de muito sol,
o amarelo que sobra
do girassol,
um suspiro de beija-flor,
invisíveis lágrimas de amor.

Fabrico a caixa com vento,
palavras e desequilíbrio,
e para fechá-la
com tudo o que leva dentro,
basta uma gota de tempo.

O que é que você quer
esconder na minha caixa?

Cora Coralina

Meu Destino

Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.

Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.

Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.

Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida...

Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.

Esse dia foi marcado
com a pedra branca da cabeça de um peixe.

E, desde então, caminhamos
juntos pela vida...

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Em você,encantamento...

Em nenhum momento da minha vida eu imaginei que teria coragem de chegar tão longe.Eu,a covarde que sempre começou sonhos que facilmente se transformavam em planos para depois,morrerem no mais profundo esquecimento.
De alguma maneira eu sentia que uma força maior me impelia à ação que eu estava prestes a fazer...
Parecia que uma névoa,momentaneamente, se apoderava dos meus quereres, dos meus planos, do meu passado e eu estava muito próxima de alcançar a liberdade.Queria ficar livre de tudo: as roupas e sapatos inconvenientes,o trabalho que não fazia nada além de preencher algumas horas vazias,a polidez imposta, a responsabilidade, a incessante dor se ser quem eu não era!
O buraco já estava lá,plenamente aberto e ao seu redor, algumas gaivotas emprestavam certa beleza ao bucólico momento...e o vento soprava brando no meu rosto,nem me importava que esse vento fosse responsável pelo embaraço de meus cabelos.O vento trazia algumas frases soltas ( ao vento!)...cantadas pelo Nando Reis. Então fiz uma prece idiota e agradeci a existência do Nando Reis e de suas músicas que foram capazes de trazer para minha vida a única forma de amor conhecida.Tudo o que eu tinha vivido até ali,fora através de suas palavras...tão minhas.
Sentir? Apenas o frio que o vento acentuava,permeado por folhas leves e ásperas que às vezes encontravam meu rosto perdido.
Pleno outono. Fazia frio,o céu estava limpo,nenhuma nuvem.Sempre gostei do outono,da maneira como as folhas caem e se renovam.Caem...
Olhei para os meus pés e percebi o quanto de sujeira eu carregava sob eles,algumas folhas grudadas no solado de meu tênis desamarrado e...muitos tropeços.Eu não me orgulhava de estar ali,mas não tinha escolha,havia chegado o momento:sem mais tropeços eu tentava me apoiar sobre pedras soltas que desalinhadas,escorregavam pelo desfiladeiro(dos meus sonhos???).
As estrelas se impunham sobre meus pensamentos e iluminavam a noite que despontava. O vento mais frio,menos brando. Ao fundo, bem distante, a música dos grilos parecia entoar uma canção de ninar...e eu queria muito dormir,cair...
Finalmente aprender a voar,libertar-me dos medos,dos conceitos sociais.Efetivamente eu não sabia de onde vinham meus medos,não percebi o momento em que surgiram e fizeram com que algumas esperanças caíssem desfiladeiro abaixo.
Ao longe,na aldeia, som de pessoas cantando...quem sabe um grupo de jovens sedentos de vida, convictos de seu brilhante futuro, crentes em realizar suas aspirações.Até que era reconfortante encontrar por entre a névoa de meus pensamentos aquele som que me devolvia as aspirações juvenis. Senti doer...
Mais uma pedra se estatelava abismo abaixo...
Simplesmente eu havia me rendido às necessidades de sobrevivência que tornam um idealista,vendido...por um prato de comida ou um pouco mais.
A hora estava chegando e meu coração (o que restou dele...)acelerava mais e mais;senti meu corpo aquecer devido ao ritmo acelerado de meu coração.Éramos eu,o vento e meu coração.Lembrei então que aos cinco anos achava que não era normal o coração bater,achava que era mau sinal e que prenunciava a morte. Então aos dezenove anos,congelei meu coração...
Mas naquele momento, ele,o coração, impunha sua magnitude dentro de mim. Batia desordenadamente,alterava minha respiração e movimentava todo o meu corpo num frémito de medo e ansiedade.Quis gritar.Gritei alto,muito alto...gritei por socorro.Meu último pedido por ajuda ( ou único?).
Sentei no chão deslocando sob meu quadril algumas pedrinhas que despencaram...o frio atravessou minha roupa e chorei convulsivamente.Senti medo e me aninhei abraçando minhas pernas dobradas e as trazendo para perto de mim. As lágrimas rolavam pelo meu rosto na noite escura e ninguém via,ninguém jamais viu...o vento se esforçava por secá-las.
O lugar que eu procurava teria a luz da lua, o som do vento e as estrelas???
As lágrimas turvaram minha visão,mas eu sabia que o céu permanecia lindo,limpo,iluminado.Só não sabia direito que tipo de sentimento habitava em mim...
Então me rendi às forças do Universo em posição de entrega total.Eu não queria mais brigar,não queria mais carregar o fardo,chegara o momento.
Agarrei meus joelhos e por um instante fechei os olhos.Envolvida pelo vento,ouvi uma suave voz sussurrar no meu ouvido...não entendi direito suas palavras,talvez não importasse mais. Abri os olhos e então vi o contorno de um rosto perto do meu,estava contra a lua...ele segurou minha mão delicadamente e a levou a seus lábios para aquecê-la com seu hálito quente.Senti frio,senti depois uma energia percorrer meu corpo,uma onda que me tirou de meu torpor,o calor de seus lábios...
Não ouvi mais sua voz,senti que ele me puxava cuidadosamente para junto de seu corpo,me aninhei e recebi seus braços ao meu redor.Houve uma fusão entre nossas almas,fui fortemente abraçada e pude ouvir suas doces palavras sussurradas em meu ouvido.Estremeci.Senti a liberdade.Senti minha alma viva novamente.Perdi o medo da pulsação de meu coração.Pisei em falso, desloquei mais uma pedra sob meus pés,mas tive tempo de agarrá-la,impedindo que ela caísse no precipício.Cair...
Ele segurou meu rosto com as duas mãos e olhou diretamente em meus olhos. A névoa em meus pensamentos alçou a liberdade, a névoa envolveu seu rosto e nos aproximou vagarosamente.O vento soprava forte e libertava nossas almas.A lua iluminava nossos sorrisos.
Aqueles olhos pareciam vasculhar quem eu era,entraram em lugares que ninguém jamais entrara.Ele limpou meu rosto das marcas secas das lágrimas que eu derramara,por um instante deixei de sentir o vento,só a textura aveludada de sua mão esquerda sobre meu rosto.
Então saí de meu torpor e o abracei como se minha redenção perante o mundo dependesse desse momento,do abraço,dessa entrega...envolvidos um no outro não percebemos quão próximos estávamos do precipício.
Cair...caímos no abismo,abraçados e sentindo nossa respiração ofegante.O vento mostrou uma força inimaginável contra um, contra outro,um contra o outro.Juntos, o meu e o seu, suas dores e minhas,seus anseios os meus,seus...Amor? Você sorria,sorri também...
Senti você se mexer,roubou minha parte do edredom.Virei para te olhar,velar seu sono,sentir sua respiração.Fechei a janela...o vento. Voltei,puxei o edredom, aninhei-me sobre seu peito e senti seu vento sobre mim. Abriu os olhos...tinha que ser!

Keenan & Joan finally ( Filme Corações Apaixonados)

Heróis da Desistência

Não pensem, óh caros leitores,que o título trata de plágio de nome de banda dos anos 80.É só que,chegando em casa às 03:47h,questiono sobre a hora de desistir...
Qual o momento certo de desistir de um amor?( ou suposto amor,posto que não temos como saber efetivamente o que o outro sente por nós).
Racionalmente,acho que passados dois meses e nenhum beijo rolado,já é prova o suficiente de que devo desistir...o problema todo é querer largar a expectativa de viver momentos imaginários com o ser real.
Ninguém gosta de largar nada. Pode observar,por mais que o cara reclame do emprego, do casamento...absolutamente ninguém larga do que tem.A grande questão é quando percebemos que o tudo que temos é muito pouco para gerar tanto apego. Carência é pior do que heroína...
Ainda não entendo porque o ser humano não pode ter uma tecla de autosuficiência total...sem carências,sem dependências,sem medos,sem neuras,sem ninguém!!!
Acho que conformismo é a palavra que procurarei defender de agora em diante,quero o conformismo,quero a aceitação e todo o resto virá como fator surpresa.
Vamos lá, certo platonismo é até bonito,carrega um certo romantismo,mas não dá para viver apenas de imaginação.Sinto muito,não é assim que mereço viver. Sejamos amigos e todo o resto,apenas conformismo.