quinta-feira, 31 de maio de 2012

Retrato

Por não estarem distraídos


Por Não Estarem Distraídos – Clarice Lispector
Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

domingo, 20 de maio de 2012

Um nome

Uma pergunta ecoa em minhas vagas horas de pensamentos vagos e vãos: será que meu nome persegue seus dias?
Venho pretendendo esvaziar-me de expectativas,querendo andar avulsa pela vida! Leio seu nome pelas ruas que ando. Vejo você nos filmes que assisto. Criação de uma alma solitária que precisa se apegar a sonhos para sobreviver?Pode ser...
Projeto-me na tela: o carinho que me nega e que tanta falta me faz,absorvo através da ilusão. Alimento assim sonhos que crescem prodigiosamente como um Tsunami,pleno de força,mas que também se desfaz em espuma na areia da praia...a areia como esponja, dilui os sonhos. A água salgada só destrói os castelos,porém sempre haverá uma criança sentada no chão,juntando areia em seu baldinho para construir um novo castelo...

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Nada vem de graça...

...nem o pão,nem a cachaça - na voz do querido Baleiro!
Problema é o preço alto que se paga em certos momentos da vida...o consolo eterno é de que o tempo "cura" e que "tudo passa" e, acreditemos ou não,enquanto tudo passa,também passamos...posto que somos meros e alguns "reles" mortais!
Por isso minha aversão ao Chronos...implacável,insaciável...
Um dia eu me entendo.Um dia eu entendo os desígnios. Um dia entendo destino e acaso. Um dia entendo livre-arbítrio...nem que seja no final de tudo!

Uma carta, madrugada de 11/05/12

Não sei por quanto tempo mais suportarei,aliás,já não suporto.Sigo fingindo que está tudo bem e confesso que meu riso de escárnio vem se potencializando...mas, aquela ausência ainda me corrói a alma.
Às vezes me esforço para odiá-lo por não me querer, odiá-lo por não se importar com minha solidão e ausência de você, odiá-lo por sequer me odiar e mostrar claramente meus pontos de "insuficiência"...porém,não consigo.Será fraqueza? Talvez eu tenha sido fraca a vida toda, e esse sentimento todo que me permito viver,talvez seja a prova de que ,enfim,não preciso mais me esconder de mim mesma e portanto me faço realmente forte.
Tenho falado muito a frase "estou cansada",cansaço de espera, de esperança...
Ontem quando vi a lua, lembrei de momentos em que a admiramos juntos...senti saudade,caí em prantos por pensar que talvez não tenhamos mais estes momentos simples, no entanto, carregados de tanto significado ( ao meno pra mim...).
"Trocentas vezes" assisti ao filme"Tudo pode dar certo" ,aquele que assistimos juntos. Maneira inútil de te trazer de volta, maneira boba de sentir você enrolado em mim, maneira estúpida de me torturar...
Por enquanto coleciono o desencanto, e ironicamente, me sinto no canto de minha vida. Não me acompanham alegrias verdadeiras;por enquanto vou me acostumando com sua falta. Organizo o quarto, leio, escrevo, converso, dou até risada...mas, acho um pouco menos na vida. Será só isso?
Queria voltar a ser a "Roberta Enxaqueca" que ao menor sinal de alerta ,teclava sem remorso a tecla: dane-se!
Enquanto escrevo,penso se as palavras chegarão até você,mas a expectativa é quase nula, análoga ao grito dado dentro da caverna em que temos de volta nossa própria voz.
E tenho lido Eclesiastes...e a vida deve mesmo ser uma baita ilusão,mas com você era uma ilusão que dava sentido à vida. No mais, nada de novo debaixo do sol...( Te quero bem!)

sábado, 12 de maio de 2012

Cupido vesgo ou caolho

Penso com ironia na vida e vejo lá fora a lua,que me espreita solitária,dentro da minha solidão...
No rádio,toca Terra de Gigantes do Engenheiros do Hawaí, e nada substancial me fala, só a parte que diz que "o mundo todo é uma ilha...há milhas e milhas e milhas".
O céu continua exibindo seu sorriso radiante personificado através da lua minguante. Que ironia! Não consigo enxergar as estrelas que a mim, figurariam as lágrimas que permeiam a realidade, as lágrimas solidárias que rolariam também, na face da noite...mas a noite, indiferente, sorri! Sorriem os felizes casais apaixonados sob a luz do luar,sorriem os que tiveram a sorte de contar com um Cupido que não fosse vesgo ou caolho.
Será que temos um Cupido pessoal? Assim com os anjos da guarda, cada casal em potencial, teria um fiel escudeiro ( ou seria flecheiro???) para dar uma mãozinha ao amor? Se assim for, o meu Cupido só ferra comigo...só flechada desencontrada. E nesse ínterim,quem fica toda perfurada,feito peneira,sou "euzinha".
Pobre Cupido meu! Até tenta! Só que a abençoada flecha que deveria atingir o meu coração e o de outro ser "em potencial", atinge só o meu. Um arregaço...
Assim que a ponta da flecha entra, nem dói. Invade o peito uma euforia, alegria, esperança...talvez o tal amor amenize algumas dores pertinentes à viver. De repente, faz-se luz e esperança!
No entanto, a flecha sozinha no peito, rompe artérias e dilacera o amor. Depois a flecha caí e fica só um resto de coração,com um imenso buraco, através do qual se esvai todo o sonho...daí a dor entra, e toma-se consciência que não fomos parte dos planos de ninguém mais.
Então, viver passa a ser uma sequência insólita de acordar/dormir sem sentido, sem rumo, sem querer...viver.

Boneca de vudu...

Estou achando que a cada dia, há alguém espetando uma nova agulha em mim...
Quando acho que ficou no passado,quando acho que vou respirar sem sentir dor,quando acho que vou dormir e acordar consciente de que tudo não passou de um sonho...lá vem mais uma agulhada e a realidade passa de carro pela faixa que eu queria passar a pé...
E naquele momento,enquanto as pernas bambearam, tive a certeza de que tudo o que eu mais queria era ver o carro preto fazer um retorno e vir ao meu encontro...também passou pela minha cabeça ( e acreditem,passa rápido de mais...) a cena em que eu corria entre os carros ou mesmo pela calçada,só para ver um rosto barbudo. O que fiz? Nada, afinal "é o que tem pra hoje"...
Fiquei embasbacada,parada e olhando o carro se afastar cada vez mais...
Engana-se quem acha que o afastamento é sinônimo de esquecimento,pra mim ao menos...
Podia ter dado meia volta na vida,mudado o destino...mas, o destino é outro. E eu? Distração do meio do caminho? Nem isso...
Queria encurtar tudo,obliterar,submeter a uma vontade nova,mas qual vontade nova? Nada de novo debaixo do sol,nada de novo dentro de mim...
Só dói,arde o peito. Tenho vontade de esmurrar tudo ao meu redor e me machucar para ao menos, sentir outro tipo de dor. Nem isso,perdi a coragem de viver e de morrer.

domingo, 6 de maio de 2012

Semi mim II

Ando deveras inconformada que a vida seja tão pouco...
Sinto-me oca,ressequida...ressentida,sozinha.
Às vezes gostaria que me invadisse o antigo sentimento de otimismo e esperança, apontando para um futuro de felicidade,mas tenho medo de ser ,mais uma vez, feita de idiota pela vida;medo de ficar a ver navios em meio ao mar de lágrimas...
No mais, acho que o rancor deve me fazer bem...
A dor também...devo combinar com esses sentimentos ou eles foram marcados em mim como tatuagem quando eu nasci.
O lance é ir percebendo que a vida não passa de um emaranhado de ações práticas que não levam a lugar nenhum,onde nada faz sentido e onde amar não vale a pena... 

Semi mim I

Alguém disse que é preciso cuidar do nosso próprio jardim para que as borboletas venham até ele...não lembro quem disse, se é alguém merecedor de meu prestígio, porém discordo,já que estou crendo que sou um ser discordante com o Universo...
Quem disse que queremos borboletas enxeridas para espalhar pólen e bagunçar mais os jardins caóticos que constituem meu íntimo?
Talvez em certos momentos eu tenha querido...parei de crer. Talvez eu esteja num momento de metamorfose "ambulante" em que tudo o que posso fazer é me desfolhar completamente, sem resistência ao vento...deixar cair o que resta de mim: folhas,sonhos,pétalas,esperanças...
Deixar cair tudo para que o que outrora me inspirou e nutriu possa agora, nutrir outras sementes que sejam  melhores que eu.