domingo, 26 de julho de 2015

Nebulosas - Desenconto 5

Era um sábado desses qualquer, que por falta de dinheiro, disposição ou esperança, fazem a pessoa desistir de viver ao menos por umas horas...procurando pelo sono ou por algo que ainda valha a pena na televisão. Esperando por fim, que sonhos tragam aquilo que a vida nega.
E justamente num desses dias, as amigas Malu e Lilith seguiram rumos diferentes ou ao menos acharam que eram diferentes.

Malu estava muito animada para visitar um zoológico noturno que havia sido reinaugurado recentemente na cidade, haveria a apresentação de espécimes animais novos, saídos de um laboratório de genética da Inglaterra. Apesar de suas incansáveis tentativas de persuadir Lilith a acompanhá-la, Malu acabou desistindo perante a resistência da amiga que queria,por horas, se abandonar no seu sofá craquelado.

Malu ainda não havia encontrado, queria saciar sua necessidade de se reconhecer no desconhecido. Não chovia nesta noite, também não haviam estrelas no céu opaco. De qualquer forma, valeria a tentativa de busca pelo inusitado. Ninguém sabia ainda se as atrações circenses trariam a Malu o que ela buscava e, em verdade, provavelmente nem ela mesmo saberia o que pretendia encontrar. Ela só sabia que não ficaria em casa, contando passos através do seu corredor estreito.

E se tem uma coisa que Malu é, é corajosa! Ela não se importava de ir a lugares de seu interesse, nem que para isso devesse seguir sozinha. No entanto, achou alguns duendes sentados próximos ao Vale dos Ventos que se dispuseram a acompanhá-la. Seguiu para o zoológico noturno, esperava algo surpreendente, esperava a representação evolutiva humana sendo apresentada diante de seus olhos...porém, tudo o que encontrou eram homens-lagarto que tocavam percussão. Seus olhos eram assustadoramente humanos e arrogantes...ao menos dois dos componentes do grupo, exteriorizavam através do olhar todo o cabedal de defeitos humanos. Assustador demais para a expectativa de Malu. Bem que ela tentou, em companhia dos duendes, permanecer até o final do espetáculo, porém, assim que os homens-lagarto se preparavam para a terceira e última parte do show, ela escapou em companhia de uma duende ...o outro ficou lá, entre o público que pagara para ver tamanha bizarrice.

Enquanto Malu decidia através das ruas da cidade para onde iria, Lilith procurava respostas que casualmente pudessem estar incrustadas pelas paredes de sua casa e história, assim como fósseis de dinossauros. Precisava caminhar para esclarecer os pontos obscuro de suas escolhas...e andava pelo quarto, esbarrando em sua cama; percorria sua sala, apoiando as mãos nas paredes; olhava pela janela tentando recriar o exato momento.

Lilith andava de um lado para o outro, com uma camisola e meia 7/8, se sentindo ridícula o suficiente para rir sozinha. E já que era sábado,depois de cansar de procurar respostas em meio às perguntas que fazia perante o espelho, acabou depositando em seu colo um livro que o acaso colocara em suas mãos e, magicamente ou por excesso de criatividade, pensa-se que suas palavras e frases dialogam diretamente com o leitor. Elucubrações excessivas, 46 páginas lidas ao léu, sono profundo e sem cobertor... o homem barbudo, vestindo roupas brancas apareceu no seu sonho inquieto para lhe fazer uma entrega. Foi quando Lilith se levantou para ir ao banheiro e reparou que o dispositivo de comunicação telepática que a conectada a Malu, estava acionado e emitindo um som imperceptível a ouvidos de outros humanos.

Sem se importar com o que trajava, jogou um sobretudo sobre a camisola surrada, calçou uma bota, prendeu o cabelo de maneira desleixada e seguiu para o Umbral. Ainda esbaforida, procurou por entre as névoas a localização de Malu. Acabou trombando com um grupo de duendes que tomavam uma poção qualquer e que indicaram onde ela poderia achar Malu. O tempo naquele lugar é incoerentemente atemporal, se é que isso seria possível; mas era...minutos viravam horas, horas se transformavam em segundos. Transcorrido o tempo que não se media através de relógios convencionais, finalmente as amigas se encontraram. Então, como demonstração de alívio por encontrar Malu, Lilith virou um tubo de ensaio que continha aproximadamente dois litros de uma poção verde e borbulhante. De verdade, pouco importava o nome que davam para aquele líquido, posto que a sensação ocasionada por ele retirou Lilith da órbita terrestre por um bom tempo, longe de todas as paredes...

Foi quando, lá de cima, de algum lugar sobrevoando o Umbral que Lilith percebeu a aproximação que se deu entre Malu e um ser arcaico e pouco evoluído, que aparentemente fazia parte do clã homo-barnabés. O ser em questão, até que não era feio: ostentava uma barbinha charmosa e relapsa, um cabelo desgrenhado e uma vontade louca de aprender a falar! Pois é, ele usava um dialeto que os homo-babacas usavam há mais ou menos um século...

Era admirável perceber, lá de cima, que o tal Ray parecia acreditar em suas próprias mentiras. Era do tipo que inventava romantismo e proximidade parental apenas para seduzir uma mulher...
Andava com um álbum de fotos antigas de todos os componentes de sua árvore genealógica, apenas para se provar confiável. Ator de teatro pastelão...mas, Malu estava vulnerável, queria se aproximar de algo ou alguém que a distanciasse da experiência no circo de horrores. Nesse momento, Lilith sentiu toda a pungência de estar impotente perante o que estava para acontecer com sua amiga...ela estava estrela e longe demais para intervir.

Viu tudo acontecer, sua amiga sucumbir ao charme clássico e fora de moda do tal Ray...ao menos, Malu estava inserida numa realidade que talvez Lilith nunca fosse capaz de entrar...

Haveria sim, os outros dias...todos os outros, todo o tempo contido nessa atemporalidade presente em suas vidas...e perante a grandeza universal, um homo-barnabés representava menos que um cisco de poeira presente numa nebulosa qualquer, de um universo qualquer.
Certamente, elas sobreviveriam...