domingo, 7 de junho de 2015

Armadilha - Desenconto 2

Os dias se passaram, pois eles sempre passam a revelia de nossa vontade. Deixando marcas profundas de quaisquer emoções que se possa conter em qualquer fração de tempo.
O mundo não mudou, nenhum fato marcante à vista...ou a prazo. Mas, elas se apoiavam na amizade que crescia...
Elas ainda não sabiam que depois da noite laranja, jamais voltariam a ser as mesmas. Se melhorariam como os seres humanos padrão almejados pela sociedade hipócrita e vaga que as detinha, só o desgraçado do tempo iria dizer...que ele então, fizesse acontecer.
Aquele quase namoro de Malu, durou uma parte ínfima definida pelas leis de Chronos. Ficaram juntos um tempo, o suficiente para que Malu descobrisse algo estarrecedor sobre ele e que a fez questionar a origem daquele ser. Claro, quando pretendemos conhecer alguém com a finalidade de um envolvimento amoroso, sabemos que existem diversas diferenças ideológicas, sociais, políticas, educacionais, psicológicas e por aí vai. Porém, a realidade com a qual ela se defrontou foi muito mais intensa...
Pois bem, sua descoberta se deu quando ambos estavam prestes a trocar fluídos corporais...em meio àquela confusão de braços, beijos, meias, pernas, cotovelos e afins. Malu mal pôde perceber o início da transformação de seu amado. Estava empolgada, animadinha com o acontecimento, afinal ela é extremamente passional. O clima esquentou, a luz apagou e as mãos deslizavam com afinco. Malu adora bíceps e costas largas...então seus dedos passeavam por estas partes do corpo de Antonio. Em dado momento, a respiração dele se alterou de uma maneira assustadora, Malu recuou, pois ele resfolegava feito um touro violento em vias de atacar sua presa. Ela correu até o interruptor e quando acendeu a luz, amarelada e fraca, constatou que Antonio havia crescido! Cada parte de seu corpo havia expandido de maneira assustadora! Em estatura ele aumentara uns 50 centímetros, mas sua musculatura assumira dimensões faraônicas, sua camisa ficou totalmente dilacerada ao lado da cama e gotas de suor escorriam de sua imensa testa...
Não houve tempo para explicações, Antonio começou a chorar copiosamente e aos soluços, saltou pela janela do hotel e correu desvairadamente, deixando com Malu o pavor e os ruídos de seus pesados passos se afastando.
Malu se sentiu abandonada e, além disso, não conseguia entender o que acontecera ali naquele singelo quarto de hotel. Como? Por quê? O que era Antonio? Olhou ao redor e o que restava no chão, eram os pedaços de sua camiseta dilacerada...apressadamente, vestiu-se, pegou sua bolsa e foi até a casa de Lillith. Precisava entender o que havia acontecido, precisava conversar com sua amiga...e caso nenhuma das duas concluísse absolutamente nada, ao menos ela conseguiria se acalmar.
Lillith morava num bairro afastado do centro, Malu trêmula, procurava se concentrar na direção. Carregava consigo um medo absurdo...o que era aquele ser a quem havia devotado horas preciosas de sua vida? A noite estava escura, a lua não quis testemunhar aqueles fatos sobrenaturais que haviam ocorrido.

Ao chegar na casa de Lillith, as luzes da casa encontravam-se apagadas. Malu quis chorar parada defronte ao portão, mas uma vez que já havia chegado até ali, resolveu tocar a campainha.
Nada. Nenhum som de dentro da casa. Nenhuma luz se acendeu. Nem os cachorros se manifestaram. Droga! Será que o mundo tinha virado ao contrário nessa noite inexplicável? Ia se virando para partir, quando percebeu a porta da frente sendo aberta. Era Lillith, enrolada numa toalha quem vinha correndo abrir o portão.
Malu desabou num choro convulsivo, não conseguia ordenar as ideias e tampouco as palavras. Era um emaranhado de confusão, difícil verbalizar...
Mas havia uma festa, Lillith a levaria para uma festa. Era o aniversário de um amigo querido, um desses seres especiais que ainda não se deu conta que, em meio à massa uniforme da humanidade, se destaca pelo bem...
Sem que Malu conseguisse se esclarecer, partiram para a festa de Pierre; era perto, era confuso, mas foram assim mesmo.
Chegaram numa casa rodeada de árvores, com sacada, com rede, com poucas pessoas. Só os amigos mais íntimos de Pierre. Poucos parentes, poucos amigos...ambiente aconchegante, ou ao menos se transformou em um lugar bem acolhedor, após as bebidas e afins que transformam a noite escura em mistério e contentamento.
E a conversa rolou solta, pessoas muito decentes, papo bom, noite longa, cerveja gelada e afins...Malu não curte “afins”, Lillith curte parcialmente. E havia o andar de cima, Malu atraída pela escadaria em penumbra, subiu os degraus e encontrou alguém que também havia subido, em busca sabe lá do quê. Sem saber o que procuravam, eles se encontraram...
Enquanto isso, na rede da varanda, Lillith falava, ria de si mesma, se perdia em estórias desconexas. Se perder de si mesma era tudo o que ela queria, era tudo de que precisava...e as palavras exerciam esse poder sobre ela, as palavras que a transformavam em quem ela queira através das noites de São Paulo.
De repente Malu desce as escadarias procurando um banheiro, Lillith percebendo sua inquietação a acompanha. Não há portal mais perfeito para as mulheres do que o banheiro, lá todos os segredos são partilhados, todos os planos decifrados, todas as risadas contidas são libertadas...
Mas não era o caso, a noite de mistérios sobrenaturais ainda não havia acabado para Malu...talvez ela estivesse vivendo aquele dia entre o plano terreno e algum outro plano ainda indecifrável para os réles mortais. A pergunta feita para Lillith, à queima roupa era: onde foi parar meu absorvente interno???? Ou seria absorvente etéreo??? Absorver o que, afinal????
Lillith ria, a gargalhadas soltas e aprisionadas no banheiro! Será que ele, o absorvente, havia sido empurrado nas entranhas de Malu? Será que ela o arrancará num rompante de desespero? Mas tudo o que Lillith conseguia fazer era rir enquanto falava das possibilidades. Investigação no nível CSI àquela hora da madrugada e após milhares de cervejas, não seria possível...
Saíram do banheiro tentando conter-se...e a noite tinha que continuar: os papos, as latinhas, os abraços...o vinil na vitrola. Sim! Vinil! E foi fantástico...
A dança na sala praticamente vazia, com olhos fechados que é para intensificar as sensações, que ultimamente são mais importantes do que as emoções, posto que sensações abrandam a alma, emoções podem afundá-la...
E depois, a rede na sacada! O balançar trazendo o vento contra os rostos e palavras; anuviando os olhos, absorvendo as palavras. Mas a conversa nunca acabava, ainda que os maços de cigarro tenham sumido. Talvez, e isso é apenas uma suposição, os cigarros tenham seguido para um universo paralelo junto com o absorvente interno...afinal, numa noite sobrenatural, tudo passa a ser provável.
Talvez amanhecesse, e em meio à conversa da noite inteira, Lillith levanta bruscamente da rede, quase derrubando sua amiga e o amigo da amiga...
Ela sai em busca de um canto no escuro, precisava dormir...
Encontrou também uma companhia perfeita enquanto buscava um espaço disponível: peludinho, de baixa estatura, do tipo que cabe no colo, amarelo, orelhudo e mudo. Malu a aconselhou a subir as escadas...lá em cima seria perfeito para que Lillith seu amiguinho ficassem a sós...
E Lillith subiu: uma mão arrastando seu amigo peludo e a outra tateando o corrimão. Jogou-se no sofá, mas o peludinho não estava bem encaixado nela. Desconfortável!
Havia uma porta aberta, havia uma cama de casal...haviam dois seres enlouquecidos por uma cama! Lillith deitou junto com o Coelhinho de Pelúcia, num encaixe perfeito! Tudo o que queria da noite, ela conseguiu com um bichinho de pelúcia: o abraço perfeito para embalar seu sono...porque os sonhos, melhor deixar para lá.


Nenhum comentário:

Postar um comentário