sexta-feira, 26 de junho de 2015

Inferno - Desenconto 3

Uma inquietação quase incontrolável dominava Lilith. A sexta-feira, prenúncio do final de semana, não trazia quaisquer promessas de felicidade. Ela, se sentindo sozinha, sentindo-se acompanhada por pensamentos que deveriam estar mortos, extintos feito os dinossauros.E uma voz interior que ao invés de sussurrar, gritava fazendo eco: ”Como eu mato essa droga de sentimento?”
O distúrbio havia voltado, a sua alma aprisionada queria sair...gastar energia andando entre os cômodos de sua casa na infrutífera tentativa de parar a dor, só conseguia gastar o solado do chinelo. E a cabeça trazia lembranças de cores, cheiros, sons, gostos, flor, traição e...dor. Seria essa a alternativa para sexta-feira à noite?
Saiu pela porta da cozinha, precisava de respiração, de inspiração e então, Lilith seguiu pela trilha que começava no seu quintal e cujo fim, ela jamais conseguira chegar. Afinal, para que antecipar o final ?
Chegando numa clareira, Lilith sentou-se sobre a relva e então, resolveu...
Deveria se agarrar à única possibilidade de companhia que poderia ter naquela noite sufocante. Voltou apressada para sua casa e ligou para Juan. Eles estavam afastados, haviam se relacionado por um tempo, mas não havia acabado bem, nada acaba. Lilith foi suave e bem humorada ao telefone, tinha que manipular a situação a seu favor. Queria sentir-se viva, tinha que sair, senão as paredes de sua casa a sufocariam. Ela pagaria a bebida afinal, só buscava outras palavras, um sopro diferente, risadas bobas na madrugada, sono desperdiçado e o vento batendo em seu rosto. Lilith não podia mais ficar em casa transformando a realidade enquanto lia, escrevia ou sonhava acordada com as letras de um nome cujo significado ela nunca soube qual era.
A conversa ao telefone fluiu tranquilamente, deixando transparecer que ambos haviam reatado a amizade. Ao destino? Caminhariam sob as árvores do caminho, numa noite chuvosa...
Lilith não pensava nada, iriam os dois ao Lago de Lama, ficariam em paz e desfrutando de um bom vinho...poucas palavras seriam proferidas, isso era óbvio, já que Juan era incapaz de demonstrar profundidade em suas elocuções e discorria pessimamente a cerca de seus sentimentos. Chegaram e sentaram-se na margem esquerda do lago. O vento se impunha e apagava as poucas palavras. Outros aldeões foram chegando e eram em sua maioria conhecidos, que se aproximavam de Lilith e Juan, trazendo novas histórias.
Enquanto conversava, Lilith começou a ouvir sua voz interna, só que ao invés de gritar, ouvia-se música “Reminds me of childhood memories/ Where everything was fresh as the bright blue sky”. E sua vista ficou embaçada, ela lacrimejava...talvez, pela forte lufada de vento que trouxe Davi para o lado esquerdo do Lago de Lama e fez com que ele sentasse ao lado dela. Noite despretensiosa até então, a partir daquele momento enevoado, uma súbita empolgação tomou conta de Lilith, ela falava muito e Davi a acompanhava. E de repente eram só os dois a falar...todo o elenco presente, virou figuração. Todos ao léu...
“Where do we go now?”...
Inesperadamente o grupo de aldeões resolveu seguir para outro local, e dado o adiantado da hora, o único portal que encontrariam aberto, seria o do Inferno...
Será que estariam preparados para ultrapassar a barreira do Portal e voltarem de lá com suas almas ilesas? Lilith não sabia, só sabia que queria ir com Davi...e entrar no inferno e, quem sabe, sair de lá íntegra ou completamente modificada. Ela já havia entrado no inferno algumas vezes, mas algo lhe dizia que seria um passo importante a ser dado.
Antes de partirem junto ao grupo de aldeões, Lilith recebeu um chamado telepático de uma amiga que se encontrava sozinha no Umbral. Pediu que Davi e Juan a acompanhassem até lá, para que pudesse resgatar sua amiga e propor que ela seguisse para o inferno junto a eles.
Voltaram sob as mesmas árvores que marcam o caminho até o Lago de Lama, fazendo um pequeno desvio da trilha para que os três chegassem rapidamente até o Umbral e encontrassem Fátima. Lilith ía à frente, revelando o caminho para Davi e Juan. Chegaram e Davi e Lilith foram entrando no Umbral, cumprimentando os conhecidos que cruzavam por eles. Juan preferiu esperar na rua. Fátima logo saiu e ficou ao lado dele, acariciando seus cabelos e conversando num código linguístico que só os dois dominavam.
Repentinamente, os olhares de Lilith e Davi se cruzaram e nada precisou ser dito...já haviam dito quase tudo e agora era hora de se perceberem, então beijaram-se. E uma névoa se formou, ocultando os dois, enquanto se beijavam...
Após minutos que pareceram horas, o pequeno grupo formado pelos quatro amigos, saiu com destino ao Inferno. E como é sabido, o tempo transcorre diferentemente nas zonas que circundam o Inferno, sendo assim, horas pareceram minutos e em poucos passos chegaram ao Portal.
Fátima percebeu que Davi e Lilith saíram diferentes do Umbral, percebeu no ar pesado, a urgência que tinham de estar juntos, mas preferiu não tecer nenhum comentário.
Estavam parados, os quatro em frente ao Portal. Ficaram silenciosos, cada um carregando suas perguntas e medos e, ninguém com coragem suficiente de dar o primeiro passo. Trocaram um olhar silencioso...
O Portal se mantinha fechado, nenhum deles sabia o que fazer ou o que dizer para conseguir acesso. Fátima pensou em soltar um “abra-te sésamo”, mas aí já seria outra história...
O vento uivava na noite, um céu sombrio sem estrelas ou lua...Davi segurou forte a mão de Lilith. De repente, num átimo, o Portal se abriu e uma língua de fogo tragou Lilith e Davi...
Eles ficaram inconscientes por alguns segundos, mas assim que recobraram a consciência, perceberam que estavam envolvidos por fogo sem que se queimassem. Suas roupas sequer ficaram chamuscadas...seus olhos abertos não sentiam o ardor do fogo...e o ambiente era todo iluminado pelas labaredas. Ninguém veio recepcioná-los , levantaram-se e olharam à frente. O que viram era mágico...vários lugares diferentes, dispostos como que dentro de um caleidoscópio que se afunilava em direção ao infinito. Cada local, separado fisicamente do outro por uma barreira energética invisível...e disso eles souberam, porque tentaram caminhar adiante e sofreram o forte impacto em seus corpos. O espaço em que estavam, tinha vários caça-níqueis, lembrando as imagens de cassinos com as quais eles estavam habituados. Sofás dispostos luxuosamente pelo ambiente, cortinas de veludo vermelhas, almofadas espalhadas, garrafas de bebidas dispostas aleatoriamente pelas mesas de vidro que compunham o ambiente. E música, tocava música alta...e envolvidos por Sweet Child o’mine, Lilith e Davi se entregaram à música e dançaram e deixaram que as labaredas consumissem seus corpos. Tudo era fogo, era vapor, era etéreo...e eles se perderam em si próprios, perdendo a consciência e desmaiando no chão gelado do Inferno.
Quando Lilith abriu os olhos, ela se encontrava sentada à mesa de jantar de sua casa, e nos dois sofás da sala, encontravam-se adormecidos Davi e Juan...era sábado, e a noite já invadia o dia...


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