terça-feira, 24 de maio de 2016

As sombras


Apenas mais uma manhã de maio, e ela colhia as mesmas flores murchas de outrora, do mesmo antigo jardim.
Há muitos anos, tentava arrancar das entranhas da terra algo que restaurasse sua vida e a tirasse daquela estranha apatia, queria anular para sempre a devoradora indiferença que nutria com relação a tudo que escapasse de questões cotidianas: acordar, comer, tomar banho, ver TV, ouvir alguma música, ler quaisquer palavras, perder o nexo e até, cuidar do jardim...para depois dormir,dormir,dormir...
Cavando, buscava vida onde faltava oxigênio...
A rua já não representava nenhum atrativo,ela já experimentara numa vida pregressa, relações humanas, achava até que já tinha amado, mas agora, só conseguia sentir segurança sozinha, sendo eventualmente acometida por lembranças que não podiam machucá-la mais...nem menos. Em meio à obscuridade de seus pensamentos, a ponta de seu dedo indicador sangra ao ser espetado pelo espinho de uma rosa murcha e amarela. Uma gota do sangue é tragada pelo âmago da terra...Vida?
Mais tarde, deitada em sua cama, vislumbra a beleza vazia da lua cheia, aquela imagem carregara outrora inúmeros sonhos vãos e agora, não representava mais nada. Seus olhos pesados não fechavam, o cansaço dos anos não permitia a ela criar imagens de felicidade antes de dormir; então, ela não dormia mais. Ouvia barulhos daquele mundo ao qual nunca pertenceu. Ouvia grilos. Ouvia passos.Ouvia vozes.Ouvia sirenes. Só não ouvia mais a seus próprios anseios, porque sua voz calara e havia se transformado em ações práticas. Repetia mais do mesmo para não se desvencilhar de um caminho objetivo, posto que temia chegar novamente à beira do abismo.
Porém, naquela noite de frias estrelas, ela trazia dentro de si uma inquietação inexplicável. Caminhou até o espelho do banheiro e encontrou pupilas dilatadas, mãos trêmulas, um sorriso vacilante no rosto ...precisava sair dali!
Sem ao menos pensar para onde a porta aberta a levaria, irrompeu mundo afora...
Caminhava rapidamente sob as sombras da noite e, quando cruzava com algum ser, o encarava fixamente como se seus olhos fossem capazes de detê-lo. Seguia, simplesmente seguia contando os passos e as estrelas, sentindo o vento frio, ouvindo as sirenes.
As sirenes...o som agudo ecoando em sua cabeça, aquilo a conduzia. Seus olhos sofreram a fotofobia causada pela iluminação extremamente clara do ambiente, luzes brancas.Pessoas esbarrando nela próximos à porta de vidro do Pronto Socorro de um hospital público dos arredores. E ali, tudo se fundiu: sua dor se mesclou à dor e desespero de outros. Tão estranhos e tão semelhantes. Sem saber o que fazer, serenamente, ela se sentou na sala de espera...e naquele momento, era só o que importava.

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