sábado, 26 de fevereiro de 2011

Bagagem de mão...ou não!

Chega uma hora em que a sessão da tarde perde a graça, hora em que decidimos não acreditar e sequer esperar por momentos felizes em nossas vidas. Amor? Acaba sendo uma palavrinha que gera bons lucros a cartórios e advogados...

Eu andava pela rua, contando meus passos e não pisando nas linhas dos rejuntes do piso colocado no calçamento. Às vezes eu olho ao redor,ver se alguém me olha ou me persegue. Olho para trás também, ver se meu salto não se perdeu em algum buraco.

Um dia, ao olhar ao redor, constato que a maioria das pessoas que trajam roupa social, carregam em suas costas mochilas aparentemente lotadas. Seria uma nova geração de andarilhos executivos? Levando dentro das mochilas objetos de primeira necessidade para o caso de precisarem pernoitar no serviço?

Eu carrego a minha, tenho minha mochila há 6 anos. Carrego livros, pasta de dente, escova de dentes, batom, caderno, estojo com lápis e caneta, dinheiro, CPF e RG. Nunca se sabe...

Ninguém sabe o que carrego. Ninguém jamais soube...

Um dia, impaciente esperando um ônibus que estava bastante atrasado, resolvi fechar o livro e olhar ao redor. Havia um homem ao meu lado, carregando uma mochila preta. Coincidência! Preta igual a minha!

Eu olhava , ele olhava, eu olhava , ele olhava...

- Ei! Você sabe se o ônibus Bairro das Camélias já passou? Perguntei para puxar conversa...

- Olha moça, eu cheguei aqui depois da senhora, então não sei informá-la.

- Tudo bem, obrigada assim mesmo. E eu não sou senhora.

De repente era como se o conteúdo de minha mochila pretendesse se revelar ao homem desconhecido. Revelar-se. Ele tinha o rosto infantil e como sorrira quando eu falei que não era senhora, percebi que o que imprimia a seu rosto o ar de criança, só poderia ser o sorriso.

- Desculpe. Não quis ofender...

- Não, não ofende. Só quero deixar as coisas claras. Você está vindo direto do serviço?

Não sei de onde tirei aquela pergunta à queima-roupa.

- Não, eu estudo por aqui. E você, vem do trabalho?

- Não, eu estudo por aqui. Coincidência ,não é? Sua mochila é preta, como a minha...

- É ...cor neutra,né?

- Ou talvez haja uma conjunção astrológica mostrando que há destino. Coincidência é destino. Qual o seu signo?

- Não me ligo muito nisso, mas é gêmeos.

- Ótimo! Sou virgem...

Enquanto conversávamos, percebia as luzes dos ônibus que se aproximavam e partiam. Só que eu já havia chegado.

O dono do boteco que ficava ao lado do ponto de ônibus, fechava o estabelecimento e continuamos a conversar.

Fazia muito tempo que ninguém olhava para o que sou, fazia muito tempo que eu não olhava para o que ele era. Os conteúdos das mochilas continuavam ocultos, para mim, para ele. Seus pesos, suas dores, suas alegrias, tudo o que continha a mochila, ainda não se revelara para mim. Meus pesos, dores, alegrias, ainda não se revelaram para ele...

- Nossas mochilas são da mesma cor!

Ele segurou minha mão e fomos andando pela avenida, para algum lugar que só se revelaria quando abertas as mochilas...

(Em 2008...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário