sábado, 26 de fevereiro de 2011

Deus ex machina

Nunca tive a curiosidade do cientista, simplesmente deixava a vida passar e ia passando displicentemente por ela: com minhas preocupações medíocres como cobertura de conta bancária, escola das crianças, aluguel do apartamento, enfim, todas estas questões tão absolutamente lógicas.
Não imaginava que numa quarta-feira nublada eu pudesse mudar completamente tudo o que eu pensava sobre lógica. Afinal que lógica há em viver para cumprir protocolos diversos sem que possamos nos ater ao que é fundamental para cada um de nós? E o que seria fundamental? Ter dinheiro para os suprimentos básicos para a sobrevivência para continuarmos apenas sobrevivendo?
Cada poeira que assenta neste chão, por sobre este calçamento desgastado pelo tempo; cada passo que acrescenta desgaste a esse chão, cada voz que torna-se inaudível dentre tantas outras vozes...eu só ouço a música. Uma música de dentro, música da minha cabeça...estou num mundo que é só meu,perco-me dos outros.
Os outros estão andando, cada um com suas preocupações individuais e com seus fones de ouvido: cada um ouve sua própria música!
Quem estes seres pensam que são? Se acham no direito de subverter a lógica que pressupõe natural a relação entre animais da mesma espécie.
Universo de cabeças , universo de planetas que a exemplo dos meteoros se deslocam com facilidade mantendo cada planeta seu movimento de rotação, pois não há espaço para a translação...
Engraçado como o fone de ouvido machuca as orelhas...aparelhinho pequeno ,para alguns a maior invenção desde a roda.
Dá saudade da família reunida, todos em trajes sociais, cabelos arrumados e ao redor da vitrola para ouvirem música. A música era compartilhada entre os amigos e demarcava um evento social, servia como base para possibilitar um ritual entre os da mesma espécie. Será que eu vivi isso? Será que criei?
O homem caminha e cria roteiro do que ele se acha incapaz de executar e revive o que não passa de uma projeção de futuro. Vivem no vácuo, em meio ao nada, passado e futuro não existem. Presente. Presente de natal para o filho de 12 anos pode ser um mp10³.

“Olha o dvd!!! Promoção: 3 por R$10,00”

“Moço, deixa eu ler sua mão?Tem uma loira e uma morena que gostam do senhor”

“Você poderia me dar uma ajudinha pra mim comprar comida pros meus filho?”

“Dá licença?”

“Tem troco para R$20,00”

“De onde sai o Terminal Bandeira?”

São lindas as construções antigas que me observam passar efetuando o movimento de rotação. Elas tem muitos anos, algumas estão preservadas, outras viraram cortiços ou prédios abandonados. Quantas igrejas...
Tudo isso passa por minhas retinas e já não consigo decidir o que é pensamento e o que é realidade. Posso ter criado a Catedral da Sé enquanto a música de minha cabeça me levou ao encontro de minha primeira namorada, teria casado com ela.
Opa! Tropecei. Tropecei e no meu planeta ninguém entra, o ar é rarefeito, não afeito ao estabelecimento de relações.
Meu tornozelo dói muito. Estou no chão. Uma senhora se aproxima e olha para mim. Outra mulher para ao lado dela e ouço ao longe “Deve estar bêbado!”. O homem que vende roupas na rua para ao lado delas, olha com cara de quem está cansado. Uma mãe com dois filhos , um de colo, pede para me ajudarem. Não quero. Não quero invasão no mundo perfeito e inexistente que criei em mim. “Chamem o guarda no posto policial”. Uma adolescente mascando chiclete ouve música, tem fios saindo de seus ouvidos, masca chiclete e balança a cabeça ao ritmo de sua música; olha para mim e me estende o fone de ouvido dela. Levanto-me e ela sacode a poeira acumulada em meus joelhos, cinzas e sujeiras espalhadas pelo chão.
Entrei naquele planeta, não trocamos uma palavra sequer, ela me guiou pelas ruas da cidade, eu no mundo dela e ela fora do meu mundo. E dó pó surgiu um homem...

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