quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Confronto ( Mais uma de Usp...)

Todos os problemas da vida moderna são poucos e mesquinhos se comparados com as grandes questões filosóficas já propostas desde a antiguidade. Quem somos? Por que estamos? Para onde e se vamos?
Perguntas simples que não são capazes de revelar qualquer verdade absoluta. Absoluta?
Absolutamente os problemas hoje são de ordem prática e pensando em como faria para pagar meu aluguel foi que acabei entrando nessa ordem de pensamentos...
Olhava para o chão. A calçada na qual eu andava era feita de tijolinhos portugueses assimétricos, sujo, feio, desgastado. Olhei meus pés que andavam e me levavam espontaneamente por um caminho do qual eu havia perdido o controle completamente. Movimentava minhas pernas com o apoio de calçados velhos e rotos, naquele momento meu pé doía e eu não sabia o que fazer para resolver aquela questão prática.
As árvores do caminho, onde estariam elas? Avistei o que seria um Parque, cercado por grades, bem no meio daquele burburinho de pessoas andando tresloucadas e carros passando e prédios novos e prédios novos com arquitetura moderna. Aquelas árvores expressavam minha agonia, seus galhos pareciam tentáculos que pretendiam escapar ao sofrimento de viverem ali isoladas e sufocadas por espécimes feitos de concreto e gigantes, elas alçavam o lado de fora das grades de ferro que as cercavam. De cabeça baixa, percebia que havia mais sombra durante o meu percurso do que eu poderia imaginar...
Eu andava e olhava para o chão, tinha papéis,chicletes,pedras soltas,pessoas encostadas nas paredes vendendo uma sério de produtos, desde eletro-eletrônicos até doces caseiros.
Foi quando percebi uma movimentação vinda de uma loja que vendia telefones celulares. Havia alguns seguranças que corriam enquanto se comunicavam via rádio, desembestavam no meio daquele mar de gente. Em determinado momento, cada um correu em uma direção, todos com rádio em punho e gravata no pescoço. Sufocados talvez, como as árvores, como eu.
De repente, abre-se um clarão em meio a todo o povo que parara em frente a loja para saciarem sua curiosidade, surge então, um segurança, extremamente alto, arrastando com suas mãos de raquete um menino. Paralisei. Aquilo doía mais que meus pés...
Fique estagnada em frente a loja e pude ouvir os comentários que circulavam entre as pessoas aglomeradas e que fizeram questão de investigar a fundo o que havia ocorrido.
Pude ouvir quando um senhor saiu da loja e disse que o garoto havia furtado o aparelho celular mais caro da loja e que sua idade não ultrapassava os 11 anos..."mas tem que punir, tem que prender, já que os pais não sabem criar"
Uma senhora que servia de interlocutora para ele, ainda acrescentou que essa era a consequência de vivermos num país sem pena de morte. Morri um pouco...desnorteada, não sabia para onde seguir,portanto continuei minha marcha de olhos fixos no chão. Melhor assim...
O que as árvores pensariam do diálogo que acabava de escutar? No mínimo,dariam um jeito miraculoso de escaparem das grades do Parque e seguirem rumo a liberdade...
Por um instante tive vertigem e rumei imediatamente ao Parque. Indiferente do que sentia, percebi que uma força muito forte me atraía para lá.
Olhei fixamente para as copas das árvores e percebi um movimento ostensivo nelas.O vento faz mesmo essas coisas, não me admirei e continuei a encarar as árvores.
Como a grande maioria dos moradores da capital, eu não fazia a menor ideia dos nomes das espécies aprisionadas e continuei em minha visita, olhando, inventando nomes.
Os troncos curvavam fazendo com que as copas quase chegassem ao chão, não ouvira na previsão do tempo "possibilidade" de tufão e comecei a duvidar da capacidade do vento realizar aquele fenômeno; os caules se moviam e dobravam como penas. Os galhos se esticavam como braços que se espreguiçam, chacoalhava-se em folhas que planavam no ar e depois repousavam serenas no solo.
Senti então, um tremor sob meus pés. Vi os tijolinhos portugueses explodirem a distâncias que eu nem supunha mensurar. As grades de ferro caiam como se fossem feitas de papel e então, aquelas árvores assumiram a Avenida Paulista, como manifestantes políticos, como transeuntes em dia de Parada Gay...
Não existia mais ninguém, somente eu ,involuntariamente, seguindo as árvores e percebendo semelhanças com os seres humanos: umas eram delgadas, outras troncudas, umas tinham as copas plenas de folhas, outras uma escassez tamanha de folhas, umas com galhos longos, outras com galhos curtos. Folhas verde-escuras, verde-claras,lisas, ramificadas...
O sumo das folhas manchou a fachada do Masp, mancharam a Fiesp, foram espalhando folhas sobre a população. Algumas manchas vermelhas deixadas no caminho,mas o verde imperava...
Ouvia o silvo do vento,abria caminho por entre folhas acumuladas,quis enfim,ser árvore.
Senti então,mãos fortes que me sacudiam...meu corpo estendido num piso gelado...então entendi tudo: sobrevivi ao caos de ser árvore!

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